O Brasil enfrenta um dos maiores desafios da sua história recente na área da saúde: reduzir a dependência externa na compra de dispositivos médicos e fortalecer a produção nacional para garantir autonomia tecnológica e eficiência ao Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO), o país registrou em 2024 um déficit de US$ 8,62 bilhões na balança comercial do setor, importando cerca de US$ 9,79 bilhões e exportando apenas US$ 1,17 bilhão.
O cenário acende um alerta para hospitais, gestores e profissionais de saúde, que convivem diariamente com os impactos dessa dependência: altos custos de aquisição, prazos de entrega prolongados e dificuldades no abastecimento de equipamentos essenciais, especialmente em situações emergenciais.
Produção nacional: um pilar estratégico para o SUS
A produção nacional de dispositivos médicos não se limita a uma questão econômica, trata-se de uma estratégia de soberania sanitária.
Durante a pandemia de Covid-19, o Brasil enfrentou escassez global de insumos, respiradores e equipamentos de proteção individual, evidenciando a vulnerabilidade de depender do mercado externo.
Segundo o CEO da ABIMO, Paulo Henrique Fraccaro, fortalecer a indústria nacional é essencial para transformar investimentos públicos em resultados concretos.
“Produzir tecnologia no Brasil garante abastecimento contínuo e reduz custos logísticos, tornando o SUS mais eficiente e sustentável”, afirmou em recente entrevista.
Essa visão é compartilhada por especialistas em políticas públicas de saúde, que destacam que uma cadeia produtiva robusta estimula a inovação, gera empregos qualificados e impulsiona o desenvolvimento regional.
Modernização hospitalar: tecnologia como aliada do atendimento
Hospitais e clínicas brasileiras enfrentam um duplo desafio: modernizar suas estruturas e adotar tecnologias que ampliem o acesso e a precisão diagnóstica.
O Ministério da Saúde reconhece que o uso de dispositivos médicos nacionais pode impactar positivamente programas como o “Mais Médicos” e o “SUS Digital”, ao permitir maior integração entre dados clínicos e gestão hospitalar.
Equipamentos produzidos localmente, como monitores multiparâmetros, bombas de infusão, sistemas de imagem e softwares de gestão clínica, oferecem vantagens em manutenção, suporte técnico e atualização tecnológica.
Além disso, o desenvolvimento interno facilita a adaptação às demandas específicas do sistema público, com soluções personalizadas para realidades regionais.
Impactos econômicos e sociais de uma indústria fortalecida
Um dos efeitos diretos do fortalecimento da indústria de dispositivos médicos é o estímulo à economia nacional. Estimativas apontam que, para cada emprego direto criado no setor, outros quatro são gerados indiretamente nas cadeias de fornecimento e serviços associados.
Além do impacto no mercado de trabalho, há ganhos expressivos na sustentabilidade financeira do SUS. A redução de importações diminui a exposição cambial e permite redirecionar recursos para áreas prioritárias, como atenção primária, prevenção e capacitação profissional.
Outro benefício está na formação de especialistas. A produção interna de equipamentos e soluções digitais fomenta a pesquisa acadêmica e amplia a oferta de cursos técnicos e de pós-graduação em engenharia clínica, biotecnologia e design de produtos médicos.
Inovação e digitalização da saúde
A revolução digital vem transformando a forma como os serviços de saúde são prestados.
Hoje, dispositivos médicos conectados, baseados em Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial, já são utilizados para monitoramento remoto de pacientes e análise de dados clínicos em tempo real, mas ainda não são amplamente implementadas ao redor do país.
A adoção de tecnologias nacionais nesse campo garante segurança cibernética, controle de dados sensíveis e integração com plataformas oficiais, como o Conecte SUS.
Além disso, o fortalecimento de startups e empresas de tecnologia médica brasileiras amplia a competitividade e posiciona o país em destaque no cenário global de inovação em saúde.
Desafios e caminhos para o futuro
Apesar do potencial, o setor ainda enfrenta barreiras importantes: alta carga tributária, burocracia regulatória, dificuldade de acesso a crédito e ausência de políticas de longo prazo.
A simplificação dos processos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), aliada a investimentos em certificação e qualidade, pode acelerar a entrada de novos produtos nacionais no mercado.
Outro ponto crucial é a integração entre governo, universidades e indústria. Países como Alemanha e Coreia do Sul alcançaram destaque global justamente por promoverem ecossistemas colaborativos de inovação, com incentivos coordenados entre diferentes esferas públicas e privadas.
No Brasil, iniciativas como o Programa Nacional de Apoio à Atenção Especializada no SUS e o Plano de Transformação Digital da Saúde já sinalizam avanços nessa direção, mas ainda há muito a ser feito para alcançar autossuficiência tecnológica.
Investimento público e políticas de incentivo
Para que o Brasil alcance autossuficiência em dispositivos médicos, é indispensável um plano coordenado de incentivo à produção local. Entre as propostas discutidas por entidades do setor estão:
Revisão tributária para reduzir custos de produção e importação de insumos;
Financiamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em biotecnologia e engenharia biomédica;
Parcerias público-privadas (PPP) para modernizar hospitais e ampliar laboratórios de inovação;
Programas de compras governamentais que priorizem produtos de origem nacional.
A ABIMO defende que políticas industriais voltadas para a saúde tenham continuidade e foco de longo prazo. “O Brasil possui competência técnica e capacidade científica.
O que falta é previsibilidade e segurança jurídica para que o setor privado invista”, destacou Fraccaro
O papel dos profissionais de saúde na transformação
Médicos, enfermeiros e gestores hospitalares são peças-chave nesse processo. Ao priorizar a compra e o uso de dispositivos médicos nacionais, essas instituições contribuem diretamente para o fortalecimento da indústria e para a sustentabilidade do sistema de saúde.
Além disso, profissionais capacitados para operar e avaliar tecnologias produzidas localmente ajudam a criar um ciclo virtuoso de inovação, feedback e aprimoramento contínuo.
A participação ativa da classe médica em debates sobre regulação, certificação e incorporação tecnológica é essencial para que as soluções desenvolvidas atendam de fato às necessidades do cotidiano hospitalar.
Conclusão
O fortalecimento da indústria brasileira de dispositivos médicos ultrapassa o campo econômico. É uma questão estratégica de segurança nacional e saúde pública.
Com políticas consistentes, incentivo à pesquisa e integração entre governo e iniciativa privada, o Brasil pode transformar o atual déficit em oportunidade, consolidando-se como referência em inovação médica na América Latina, por ser o maior país da região em questões de saúde.
Ao investir em tecnologia nacional, o país garante maior eficiência no SUS e até mesmo em hospitais privados, reduz desigualdades regionais e assegura atendimento de qualidade para milhões de brasileiros.
Fontes:
ABIMO;
Ministério da Saúde;
ANVISA;
IBGE;
Saúde Business.



